20.3.09

Sobre Roda Gigantes e o Doutor Destino


Podia ser um garoto, desses muito marotos, pé de moleque. Só que menos doce. Na verdade era um quase gente, desses quase pássaros que voam, voam e quase alcançam o céu.Era acostumado a essa sua vida de temperos, um quase ser, prestes a se tornar algo. Com um pouquinho disso ele transformava rapidamente alguma coisa.

-Mexe bem essa pimenta do reino que tenho um contrato com o absolutismo francês.

E vivia, a requebrar sazons, a dançar com os alhos e a dilacerar as réstias de cebolas. Era simples assim, bastava pegar sentimentos aqui, crenças acolá. Uma saladinha dez, como ele mesmo dizia.

A vida tinha mais cores, escolhia logo o seu tom. Como o azul da música e o verde de todos os céus que ele construía. Cantava também, esse nosso garoto. E tal como nos temperos, tudo podia ser diferente depois da música.

No banheiro, verdadeiro cantor. Até os xampus, que outrora apenas tiravam sujeiras, derramavam-se em círculos graciosos pelo seu cabelo e as próprias garrafas tinham o trabalho de ensaboá-lo, em movimentos muito rítmicos.

-Um dia ainda caso com você, garrafinha de Seda.

E assim fazia, espalhando sentimentos para todos os cantos e coisas. Palavra era a própria música. Na cozinha, realizava verdadeiros rituais. Certa vez, virara um disco só pra sentir o sabor dos arranhões, no que as batatas cozidas enlouqueceram e pularam aflitas pra dentro da panela, espatifando-se e inventando o purê de batatas. Já as cenouras eram mais abertas pra novas tendências e se juntaram aos tomates, numa espécie de dança hipnótica e desgovernada.

O mundo era de várias contradições, dialética, Marx. Já ele, um garoto mesmo, dialogava, um máximo. E vivia, e vivia, até que o Senhor Tempo deu um monte de voltas, como as rodas-gigantes que ele andava nos parques da periferia. Nesses brinquedos tem dois lugares, mas o tempo tem um só caminho, o de sempre seguir em frente. Afinal, Doutor Destino nada mais era do que um inimigo do Quarteto-Fantástico e o Homem-Elástico sempre arrumava um jeito de enfrentá-lo da melhor maneira. Aprendera isso quando garoto. Hoje , mais velho, homem e provavelmente muito mais tolo que seu jeito criança de ser, vê que os gibis nunca estiveram tão certos.

Pois bem, planta que começa lá de baixo, germina e prolonga suas raízes. No caso do vegetal a água, mas desse nosso garoto, ou melhor, do recente homem da história, a vida. Faria facilmente o mundo voar, desenhando asas nas costas, espalhando Vês pelos muros à noite, cantando novos ares e flutuando em meio a tantos ouvidos.

-Esses gatunos precisam querer.

Então, vai ser como mágica. Mistério e lua cheia. As pessoas vão abrir os olhos, asas ruflando no ar. A cidade vai ser arrancada da terra e gloriosamente alcançará os céus...

2 comentarios:

Júnior Coelho dijo...

Só um pedaço de alguma infância. Deu saudade das revistinhas do Marcelo...hehehehe

LuzMi dijo...

Quais asas nos pomos nas costas para voar aos cantos da infância, que tem tantos cores?