7.10.09

O melhor pastel do mundo

Era sempre a mesma coisa. Cara de espanto, um riso convulsivo e diversas manifestações explícitas de poder. Mil quatrocentas e cinquenta e sete redações em cima da perna, quarenta em cada turma, bom humor as vinte e quatro horas?

-Esse aqui se lascou.

Eu me contorcia toda ao ler as estapafúrdias dissertações. Que saudade dos tempos do Garrastazu, onde cada ausência de vírgula era amparada por uma varada! Sem falar que aprendíamos Francês, cujas palavras tem uns quinze acentos, ai se colocasse só treze. Agora, com este almaço repudioso em mãos, eu teria tempo de voltar à Paris em uma só oração, de vinte e sete linhas e nenhuma pontuação.

-Se você acha que eu quero dar a volta ao mundo num suspiro, está substancialmente enganado, ser néscio. Se lhe ocorre uma vírgula de vez em quando, eu lhe agradeço. Fiquei roxa aqui.

Às vezes tossia e não parava mais, acho que tosso até hoje, se não me engano. Não tenho a vocação olímpica necessária e sinto que superei todos os meus limites quando termino de corregir meus textos. Quando pecam por falta de pontuação, eu sou atacada por minha crise asmática. Prego um asno enorme na folha, adoro adesivos, internado com um balão de oxigênio na capital asiática correspondente, cuja distância eu tive que percorrer até, exausta, parar. Em geral, Kuala Lumpur; mas tenho vários deles que chegaram às Ilhas Fidgi, ao Nepal, ao Butão e há casos de asnos internados até no seriado Lost. Era um pulmão enorme, cinco vezes maior que o quadrúpede, que é pra representar o tamanho da minha paciência de não ter passado tudo para o Júlio Verne, meu cão.

Nenhum pontinho diáfano, nenhuma virgulazinha cândida. Se pelo menos viesse mais rápido minha aposentadoria, por favor, essa nova lei. Pronome relativo é uma ilusão, mais fácil a Rússia sair da Chechênia; o Louvre devolver relíquias à Grécia; o Sarney sair do Senado; ou, pior ainda, meus alunos entenderem todas essas referências com as quais eu construo toda a minha tese, que refuta todo e qualquer direito de resposta a quem escreva você com ésse.

Cujo virou lenda. Dizem que os egípcios, cuja referência é a mais antiga que encontrei, regavam os campos cujas plantações contornavam o Nilo, cujo curso é dos maiores do mundo, cujo fim deve estar próximo. Isso quando não usam demais o que não sabem. Porque se você não sabe usar, tudo bem, é um ignorante, vou odiar você, mas se usa demais é um mal educado. Para esses eu reservo um adesivo de uniforme laranja, que é para combinar com aqueles prisioneiros árabes no Guantánamo, mas dar um ar gari ao réu. Marinéia, uma aluna estranhíssima que se acha a Mônica Waldfogel, possui uma sacola de vírgulas Prada, comprada na Cidade do Leste, com a qual atira esses sinais à torto e a direito.

-Um mais um, dois. No entanto, você foi bem mais longe. Se juntássemos essas vírgulas conheceríamos vários planetas. Muito prazer, Sonda Marte.

Tenho, inclusive, repensado na existência de muitas coisas na vida, com mais calma. Quando leio uma redação desse personagem, esse da sacola Prada paraguaia, reflito sobre o que uma pessoa elege para sua vida. Como eu fico triste quando constato que a Marinéia gosta de escrever, Sérgio Buarque! Fico vermelhíssima, sinto muita vergonha alheia, quase mudo de profissão e vou vender água de coco, que eu adoro. Também adoro pastéis grandes, desses da feira, aquela massa é muito gostosa, adoro a Dona Teresa, um abraço pra você. Mas a Marinéia não, quer ser jornalista, quer não, queria, coitada. Sofreu um acidente de carro recentemente, me sinto culpada, como ela não jogou umas quinze vírgulas na curva ninguém explica. Mas fico tranquila: pessoas assim não chegam nem ao inferno, quantas escalas teriam que fazer, imagine. O Diabo super ansioso e a pessoa descendo, aqueles, degraus, como, faço, pra, chegar, a,í, por, fa,vor!

Sempre apoiei a construção da Carreterra Austral, mas não sou adepta do modernismo Pinochet. Sou uma pessoa muito ruim, mas espero não ter que matar à muitas outras para fazê-las escrever um texto decente, ou um país decente, se é que ensinar a escrever é possível, ou o segundo argumento também. Eu me sento nesta cadeira empoeirada, os livros esparramados pelas estantes, acreditem, sou desorganizada com eles. Vejo as histórias caírem aos montes, os personagens desenhando-se em todos os cantos da casa, minha cabeça velha sem aquele turbilhão de antes, a dignidade final dessa minha solidão. Só sei escrever assim, com minhas idéias soltas, fisgadas de um tal poço recôndito de onde saem muitas coisas, menos a minha vontade de permanecer nele.

Não sei por quanto tempo suportarei ver tantos livros perdidos, sonhos esquecidos, sondas marcianas e pessoas que levantam a voz para ocultar a falta de estudo. Não aguento meus alunos achando, tirando argumentos tão fedorentos que só podem ter saído das axilas. Não aceitaria um assassínio gramatical, sou tradicional e má, reitero, mas se a falta de concordância, de sintaxe e toda a gama léxica pudesse ser justificada por um argumento plausível, eu não gastaria tantos adesivos. Não que eu fosse sair daqui, mas talvez saísse menos do sério. Não frequento casas noturnas, pareço uma samambaia nesses lugares, fico aqui, com meus livros sussurando e minhas redações que andam pela hora da morte.

Outra coisa que não sou é professora de Geografia. Mas ontem, quando me perguntaram se os Estados Unidos ficam na mesma Terra que o Brasil, respondi que não, que não ficam, estão no mesmo planeta que você, alien, saiu. Não sabem onde é o triângulo mineiro, olhem só, o nariz do mapa, que vergonha; que São Paulo é nome de estado e cidade, e muitos, do fundo da alma, querem cursar engenharia espacial para construir uma nova ponte aérea, deve ser linda!

Meus cabelos já estão brancos, minha pressão está na troposfera e me senti muito desamparada quando a Mercedes Sosa morreu. Às vezes acho que também estou morrendo, que dói tanto não poder falar de La Negra à qualquer pessoa, que é um atentado à história não conhecer suas canções, dói saber que vi um ótimo filme, que li um ótimo livro e a única coisa que me resta é registrá-los aqui, senão aquele momento se vai e não posso compartilhar essa minha alegria com ninguém. Prefiro escrever, e, ainda que uma legião de ignorantes se materialize em minhas pernas por essas folhas, que eu gaste todos os divertidíssimos adesivos para nada, só por maldade e de tripudiadora que eu sou, eu consigo sorrir. Tenho minhas próprias solidões e angústias, cujo refúgio são minhas palavras, meu humor de gente ruim, grosseira, insuportável. Eu me abraço aos livros desorganizados, me derramo sob minhas canções que ninguém conhece ou ninguém gosta e, principal e diariamente, mantenho minha prosa feliz com a Dona Teresa e seus pastéis, tomando água de coco.








4.10.09

Ranitas y calzoncillos

Me gustaría manifestar mi rechazo y asco eterno a los anfíbios en general. No entiendo la dinámica de aquellos animales, ni la razón de que los testarudos insistieren en materializarse a menos de cien canchas de fútbol de mí.
No acepto protestas. Un sapo es la cosa más fea que existe. El poeta Quintana dijo que era un burgués rechoncho tras una parranda en la noche. No entiendo a la gente que dice que un sapo horrendo es un bichito que nos hace bien. No lo es, no lo es. Quien dice la tontería de que un sapo es bueno para mantener la fauna equilibrada debería mirarse en el espejo. ¿Será esa la verdad? Me imagino que sea util para una fauna, en determinada parte. Pero para mí no lo es. Mi casa no tiene charcos, plaga de polillas, cucarachas de un metro de largo, colmenas gigantes e infelizmente, tampoco tiene culebras para devorar los sapos. Cuando, por casualidad, nos molestan los insectos, le agradecemos a Dios que ya exista el Baigon, el Protex, las culebritas de prender fuego y, recientemente, algunas galletitas Chernobyl que mi prima rusa me trajo, cuyo olor genera cancer y una debacle genética en todos los insectos de tu casa.
Sin embargo, existe una cosa aún peor que un sapo, que, en general, se va después de unas pipas en la boca y tras echarle unos cuantos kilos de sal. Y para quien se sienta herido en su consciencia ambiental, les aviso que es mejor que no siga leyendo este texto, y no me digan que debería haberles avisado a ustedes desde antes. El texto es mío y les aviso cuando me de la gana.
Bueno, suelo lavar mis calzoncillos y estirarlos en el baño a secar, no importa la razón, mis hábitos higiénicos no serán discutidos. Al día siguiente, antes del baño, les echo un vistazo, tú sabes, a ver si ya se secaron, si tienen buen olor o están arrugados, etc. También me gusta acariciarlos, sentirles la textura, esas cosas. En fin, es una cuestión de estilo.
Y andaba en esto, en mi sacro ritual, con mi calzoncillo cerquita de la nariz, erótico, besándolo, cuando algo profano se mueve allá adentro y se cae al piso, ante todo mi horror.
Me muero, me muero, me muero.
Era una ranita. Me atonté con el acontecimiento, para entonces inédito en mi vida. ¡Mamá, besé una ranita! Estaba dentro de mi calzoncillo, ¡mamá! Cómo le extraño, y yo aquí, ¡hablándole a las paredes! ¿Cómo así, irónico? No me dio risa, no sea sarcástica. Por Dios, es frío, parece hielo, ¿no habrá venido de la Patagónia? Quisiera yo, Patagónia, allá no me encontré siquiera un sapito y mire que son muy felices, no hay ningún mosquito. ¿Cómo así, un calzoncillo va en el tendedero? Pues los míos los tengo en el bãno, ¡lejos de tanta maldad! Un día los puse allá afuera e hizo un viento, pero un viento, que mis calzoncillos caeran cerca de la cédula de identificación de Gilcilene Cazanueva, pobre Gil, tendrá que sacarse un duplicado, no la devolví, soy un monstruo, tiranosauro, ¡le prendí fuego anoche! De hecho, fue la primera mujer en entrar a mi calzoncillo, no, mamá, usted no entendió la metáfora. Ya lo sé, no valgo nada, le prometo mejorar, hacerme hombre.Pero no es solamente eso, mamá. También había lombrices voladoras en las baldosas de mi departamento, el tercer piso estaba lleno de lombrices, nadie me podrá creer, pero así era, no pondré mis calzoncillos al aire libre jamás en mi vida.
Y ahora, qué hago, hay un ser horrendo cerca de mí, creo que voy a poner el inmueble a la venta, ¡y todavía no he pagado ni la hipoteca!
-Mátala.
¡ ¿No, se ha vuelto loca?! Esos bichitos tienen alma, la abuela Semy decía, con mucha sabiduría, que si alguien mata una ranita se volverá ranita en la próxima encarnación. No la mataré.
-Toma un poco de papel higiénico...
Ni con un rollo de ochocientos veinticinco metros. Es del ejército ruso, muy roja, seguro tiene un cañón de leche apuntando hacia mí. Apenas me acerque y Stalingrado volverá. ¿Mamá? La ranita saltó libremente hacia el living, se está alargando el imperio, ¡que hija de puta!
-A lo mejor es czarista. Pronto llegará a Manchuria y no fuiste a dormir aún.
Tiene razón, paciencia y triunfarás, me tranquilizaré, no puede estar tan mal así. Es un asco, es repugnante, es Bette Davis, pero vas a derrotarla. Listo, mamá, me puse la toalla, por lo menos voy a pelear de manera decente, no quiero entrar desnudo a la historia; nadie va a acordarse de Gianecchini en un par de años, tampoco de Paulo Coelho, perdóneme, sólo quise satirizar, ese monstruo. Vuelva aquí, Dostovieskyna, sé que eres tú. No, no brincarás en el pantalón recién planchado. Listo, me da igual, tampoco me gustaba. No, ni se te ocurra alcanzar el mocasín de charol, ¡ni la copia de la Mujer Desnuda de Picaso que compré por equivocación en Irán! Y ahora ella avanza en dos zancadas hacia el cajón, no tendré más ropa, no se me cruza por la cabeza lavarlas, estarán infectadas de por vida. ¿Lejía limpia, mamá? No, mancha, debía saberlo. Alcohol limpia, hey, ¡limpia, quema, desgarra!

-¡No vayas a prender fuego en el departamento, chico!

Lo haré. ¡Pero no tengo alcohol aquí! y ella avanza, anfibio de mierda, se va hacia mis ultimas gotitas de Chanel 5, ¡no! Espérame, ahora te voy a pegar, tú lo pediste, tú lo tendrás. Sí, soy malo. Me volví un gato, me acerqué, la aceché en puntillas, para no accionar las trampas rusas que seguro tenía consigo en las patas, y la tiré.
-Que cobarde eres... no te costaba tirarla hacia afuera.

Está equivocada, mamá. Al comienzo ella se inmovilizó, mirándome por el rabillo del ojo, ojalá se ciegue. Tres rociadas y ella se sentiría en París, ¡ay, ay le gusto a alguien! Y yo que pensé que no le gustaba a nadie, mira tú, ¡qué olor! ¡Mercy, mercy! Y se fue, desesperada puerta afuera, con la espalda quemándose de placer, te incendiarás toda cuando toques un cigarrillo, tres pisos abajo, deseé desde mi alma.
Mira má, le gané. No me lo puedo creer, si no fuera por usted, ¿qué haría yo? No, no me he vuelto loco, usted está aqui, ahorita estuvo, ¿le parece que iba a pelear con aquél dragón? Listo, volví al baño, abri la puerta, me muero. Hola, escoria de Darwin. Tú has vuelto. Sí, mamá, hay otra. El mundo se va a acabar en ranitas y listo, no se puede hacer nada. Ay, Millôr, estoy de acuerdo, movimiento femenista sólo en comics y ranitas en el charco, agreguemos, por favor. La fuerza no me alcanza para tanto, mamá, ¿dónde está que ya no le escucho?

Sin embargo, la ranita estaba muy tranquila, a lo mejor sea una mina, pensé. Ya no tengo más vocabulario, se me agotó, le tiré un pusilánime y pronto no tendría ni para fea, tonta, pesada. Me cuesta encontrar palabras para todo. De niño, me gustaba ponerle nombre a las cosas, ¿se acuerda? Mi monito era tan chiquito, medio bruto, pero se perdona todo. Cuando se zambullió en la olla de grasa caliente no fue un accidente, mamá, no fue. Estaba huyendo de mí, el diablo de los animales, pues me había mordido el dedo y corrí tras él para vengarme, siempre he sido malo, pobre Lucio Flavio. A mí me gustaba más Mauricio Cavalcante, el perro de la vecina. Se veía tan lindo, saltaba incluso el muro de mi casa, mire, casi un gato.
Le gustaba a él, me lamía todo, siempre me gustó alimentar los bichos, darles cariño y todo, si son de los otros, mejor. Los míos era más feos, medio callejeros, ah, Nelson Rodrigues.
No, no se lo he dicho, pero les giré a un nido de gatos en un morral hasta que se cagaran todos. Me costaba reconocerlos, diferenciarlos, eran todos muy parecidos, tengo muchísimo prejuicio, ¿dónde se ha visto una sociedad así? Salieran en la mierda, pilongos, y salí yo también, a buscar ciénaga para echarles arriba, pobrecitos, para quitarles el mal olor. ¿Se acuerda de la lupa de papá? Era mi verdugo en Antchwitz, mi campo de concentración de hormigas hebraicas o demasiado revolucionarias, usted sabe, aquellas que encontramos al frente de la universidad, escuchando rock muy fuerte, ¿se acuerda? Las mataba a todas, les arrancaba las piernas una a una y después les dejaba la cabeza; pero primero les tostaba el cuerpito, ni pataleaban, jaja. No, mamá, no tengo nada en contra el rock , la verdad es que me da igual. Usted sabe, es una referencia medio tonta, principalmente cuando no se entiende lo que nos dicen. Siempre he preferido Marisa Monte, João Gilberto, Ney, Clara Nunes. Hoy día me gusta Mercedes Sosa, Soledad Pastoruti, Aymama, pero porque ya entiendo el español. El hecho de escuchar rock se ha hecho simnónimo para uno dejarse crecer el pelo y ponerse aquellas remeras horrendas de Nirvana, hasta las rodillas. Y esto cuando no se tiñen el pelo de verde-naranja-terror y parecen aquél monstruo de Hopi Hari, que necesita urgente una hidratación. No, nadie se acuerda de Woodstok, ¿usted se ha vuelto loca? Si les pregunta dirán que son papas fritas, o entonces una plaza abandonada, como usted es anticuada, mamá; me falta decir que también le parece cursi el rock.
Nada en contra de los clásicos. No, no hay problema que a usted le guste Machado de Assis, pero cuando alguien me dice que el mejor libro que ha leído es Memórias Póstumas de Brás Cubas me dan ganas de tirarme a la Laguna de los Patos. Que cosa fácil, que les guste Machado, yo lo amo, pero no cualquiera se lleva ese derecho; por ahí ni lo leyó, y si lo leyó no significa que lo entendió, como es pop, les cuesta poco citar algunas cosas. Sí, muchos conocen a Fernando Sabino, gracias a Dios, apenas me entero y voy marcando cita con quien me habla de él. Soy muy facil, usted sabe, de aquellos que sólo dicen sí, ay, esa carencia.
¡Cómo extraño al pan de queso, el olorcito a la mañana del domingo! Cuando me despertaba y no le daba un beso, cuando nuestro amor se resumía en un canje tácito de gestos, de bandeja caliente sobre la mesa, de buen día con la mirada, una felicidad sin risa. A lo mejor usted ya le había pegado con una escoba a esta desgraciada, o la hubiera tomado con la mano, perdóneme, pero usted solía hacer unas cosas asquerosas. Nunca entendí como se le ocurría ponerle la mano a la carne, era una cosa muerta, mamá, Dios, y tampoco como lavaba los baños, qué horror, el inodoro. Como era de dificil ser mi mamá, como era de rico ser tan insoportable para usted.
El demonio todavía me miraba. Yo de toalla, en el baño. A mí me gusta que salten a mi pecho, pero si se te ocurre hacerlo, tengo un enfarte, inmoral. Calzoncillos en el baño nunca más, pensé, siempre tiene la razón, mi mamá. Pero ya me sentía tan tranquilo que no le rocié perfume, ni corrí tras ella, ni le grité: ella se dio media vuelta y, aunque a regañadientes, se fue por una grieta en la ventana.

25.9.09

Perereca na Cueca


Gostaria de manifestar meu total repúdio e asco eterno aos anfíbios em geral. Não entendo o funcionamento daqueles bichos, nem o porquê deles insistirem em aparecer a menos de cem campos de futebol de mim. Não é por nada não, é por tudo mesmo.


Nem vem que não tem. Sapo é a coisa mais feia que existe. O próprio Quintana falou que era um burguês balofo depois de uma noite de farra. Eu não entendo as pessoas que acham que um sapo feio é um bicho bonzinho. Não é, gente, não é. Quem fala aquele negócio de que sapo come os bichinhos e que mantém a fauna equilibrada devia olhar para o próprio umbigo. Ele pode até ser útil para uma fauna, em determinado lugar. Mas pra mim não é. Minha casa não tem brejos, enxames de vespas, baratas d'água, colméias gigantes e, infelizmente, cobras para comer os sapos. Quando por ventura aparecem alguns insetos indesejáveis damos graças a Deus por existir o Baigon, o Protex, as cobrinhas incendiárias e, mais recentemente, algumas bolachas Chernobyl que minha prima russa trouxe, que promovem a decadência genética e cancerígena de todos os tipos de insetos da sua casa.


Mas existe uma coisa pior do que o sapo, que; em geral, depois de um maço ruim de Derby e uns cinco quilos de sal você elimina. E quem se sentir ferido em sua consciência ambiental aqui é melhor nem ler, e não me digam que eu deveria ter avisado antes. O texto é meu e eu aviso quando eu quiser.


Estou acostumado a lavar minhas cuecas e pendurá-las no banheiro para secar, não importa o motivo, meus hábitos higiênicos não vem ao caso. No outro dia, antes do banho, dou uma conferida, você sabe, para ver se já secou, se está cheirosa ou enrugada, etc. Também gosto de apalpá-las, sentir a textura, essas coisas. Enfim, é uma questão de estilo.


Pois eu estava no meu sagrado ritual, com a cueca bem próxima ao nariz, erótico, beijando-a, quando algo profano se move lá dentro e vai direto pro chão, para todo o meu horror.


Que nojo, que nojo, que nojo.


Era uma perereca. Fiquei embasbacado com o acontecimento, até então inédito em minha vida. Mãe eu beijei uma perereca. Estava dentro da minha cueca, mãe! Que saudade da senhora, eu aqui falando com quatro paredes. Como assim, irônico, não tem graça nenhuma, não seja sarcástica. Pelo amor de Deus, aquilo é frio, beijei gelo, terá vindo da Patagônia? Quem me dera, Patagônia, lá eu nunca vi nenhum sapinho sequer e olha que eles são muito felizes, não tem mosquito algum. Como assim, cueca fica é no varal? A minha fica é no banheiro, segura de tanto mal! Um dia eu pus lá fora e veio um vento, mas um vento que minhas cuecas pararam do lado da carteira de identidade da Gilcilene Caçanova, coitada da Gil, vai ter que tirar a segunda via, não entreguei, sou um monstro, tiranossauro , fiz gude-gude à noite. Foi a primeira mulher a entrar na minha cueca, a senhora não entendeu a metáfora. Eu sei, não valo nada, prometo ser mais gente, melhorar, criar tipo. Mas não é só isso, mãe. Também tinha algumas minhocas aéreas, o chão do meu apartamento, no terceiro andar, estava repleto de minhocas, ninguém acredita, mas estava, não ponho cueca ao ar livre nunca mais na vida. E agora o que eu faço, tem um ser hediondo aqui comigo, acho que vou colocar o local nos classificados; e eu que que nem comecei a pagar a hipoteca.


-Mata.


Não, a senhora está louca? Esses bichinhos tem alma, a vó Semy dizia, sapientíssima, que quem matar uma perereca volta perereca na próxima encarnação. Não mato.

-Pega com um papel higiênico...


Nem com um rolo de oitocentos e vinte e cinco metros. É do exército russo, bem vermelha, aposto que tem um canhão de leite apontado para mim. É só me aproximar e Stalingrado retornará. Mãe?! A perereca acaba de saltar livremente em direção à sala, está aumentando seu império!

-Vai ver é czarista. Daqui a pouco chega à Manchúria e você nem foi dormir ainda.


Tem razão, paciência e você triufará, é só ficar tranquilo, não pode ser tão horrível assim. É nojento, é um asco, é Bette Davis, mas você vai vencer. Pronto, mãe, pus uma toalha, pelo menos vou lutar de maneira decente, não quero entrar nu pra história; ninguém lembrará do Gianechini em um par de anos, nem do Paulo Coelho, desculpa, eu só quis alfinetar, esse monstro. Volte aqui, Dostovieskyna, eu sei que é você. Não, você não pularia naquele brim passadinho. Pronto, eu também não gostava dele, nem no mocassim envernizado, nem daquela cópia da Mujer desnuda do Picasso que comprei por engano no Irã!!! E agora ela marcha frenética pela gaveta, não terei mais roupa, é inconcebível lavá-las, estarão para todo o sempre infectadas, quiboa limpa, mãe? Não, mancha, devia ter imaginado. Álcool limpa, ei, limpa, queima, estraçalha!


-Não vá botar fogo no apartamento, menino!


Boto sim senhora. Só que não tenho álcool aqui, aiaiai, e ela avança, a filha da puta, em direção às minhas últimas gotas de Chanel 5, não! Espera, agora você vai ver, você quer, você vai ter. Sim, eu sou cruel. Encarnei um gato, cheguei com passos silenciosos pra não acionar as armadilhas russas que, seguramente, ela devia ter nas patas. E joguei.


-Que covardia...era só pegar o bichinho e jogar fora.


Que nada. A princípio ela ficou parada, me olhando torto, tomara que cegue. Três borrifadas e ela se sentiria em Paris, ai, gente alguém gosta de mim! Eu achei que ninguém gostava de mim, olha pra você ver, que cheirão! Mercy, mercy! E foi, desesperada porta afora, as costas queimando de prazer, vai se incendiar quando tocar uma bituca de cigarro, três andares abaixo, desejei do fundo da alma.


Olha mãe, eu venci. Nem acredito, se não fosse a senhora, o que eu faria? Não, eu não estou ficando louco, a senhora está aqui, agorinha mesmo, imagine, eu enfrentando um dragão daqueles. Pronto, voltei pro banheiro, abri a porta, morri. Oi, escória de Darwin. Você voltou. Sim, mãe, tem outra. O mundo acabará em pererecas e pronto, não se pode fazer nada. Ai, Millôr, concordo com você, movimento feminista é nos quadrinhos e perereca é no brejo, acrecentemos, por favor. Força pra tanta coisa assim eu não tenho, mãe, cadê você que não lhe ouço mais?


Só que desta vez ela ficou estranhamente quieta, deve ser uma mina, pensei. Já não tenho mais vocabulário, esgotou, lancei um pusilânime e logo cairia no feia, boba, chata. É difícil encontrar palavra pra tudo. Quando eu era pequeno inventava nome para as coisas, lembra? Meu miquinho era tão bonitinho, meio burro, mais se perdoa tudo. Quando ele pulou na panela de gordura quente não foi um acidente, mãe, não foi. Ele estava fugindo de mim, tinha mordido o meu dedo, corri atrás dele pra me vingar, sempre fui malvado, coitado do Lúcio Flávio. Eu gostava mesmo é do Maurício Cavalcante, o cachorro da vizinha. Era tão lindo, pulava até o muro lá de casa, olha pra você ver, um gato, praticamente. Ele me adorava, me lambia todo, sempre gostei de alimentar os bichos, fazer carinho e tudo, acho que no dos outros, assim melhor. O meu era mais feio, era meio vira-lata, ah, Nelson Rodrigues.


Não contei pra senhora, mas rodei uma ninhada de gatos numa bolsa até eles se borrarem todos. Tinha dificuldade de reconhecê-los, eram todos muito parecidos, sou muito preconceituoso, onde já se viu sociedade assim? Saíram na merda, trôpegos, eu sai também, pra buscar barro e jogar encima pra neutralizar o fedor. Sabe aquela lupa do papai? Era meu carrasco em Antchwitz, meu campo de concentração de formigas hebráicas e ou ''revolucionárias'' demais, daquelas que a gente encontra na porta da faculdade, ouvindo rock pesado, sabe? Eu matava todas, arrancava perna por perna e depois deixava a cabeça; mas primeiro tostava o corpinho, nem se esperneavam, ha-ha. Não, mãe, não é contra o rock em si que tenho rixas. Você sabe, é uma referência meio burra, principalmente quando não se entende o que eles nos dizem. Sempre preferi a Marisa Monte, o João Gilberto, o Ney, a Clara Nunes. Hoje em dia a Mercedes Sosa, a Soledad Pastoruti, mas é porque eu já entendo espanhol. O fato de ouvir rock virou sinônimo pra deixar o cabelo crescer e usar aquelas camisas horrorosas do Nirvana, até o joelho. Isso quando não pintam o cabelo de verde-laranja-terror, e parecem aquele monstro do Hopi Hari, precisando de uma hidratação no cabelo. Não, ninguém lembra de Woodstok, a senhora enlouqueceu? Se perguntar isso hoje vão lhe dizer que é uma batata frita, ou então nome de praça abandonada, como a senhora é antiga; só falta me dizer que também acha o rock jururu.


Nada contra os clássicos, mãe. Não, não tem problema que a senhora goste do Machado de Assis, mas quando alguém aqui me fala que o melhor livro que leu é Memórias Póstumas de Brás Cubas, eu tenho vontade de me jogar na Lagoa dos Patos. Que coisa fácil, gostar do Machado, eu amo ele, mas não é qualquer um que tem esse direito não; vai ver nem leu, e se leu não significa que entendeu, como é pop, como é fácil citar algumas coisas. Sim, muitos conhecem o Fernando Sabino, graças a Deus, vou logo marcando encontro com quem me fala dele. Sou muito fácil, a senhora sabe, daqueles que só dizem sim, ai, essa carência.


Que saudade daquele pão de queijo, daquele cheiro no domingo de manhã! Quando eu me levantava e não lhe dava um beijo no rosto, quando o nosso amor se resumia numa troca tácita de gestos, de bandeja quente em cima da mesa, de bom dia com o olhar , uma felicidade sem riso. Vai ver a senhora já teria dado uma vassourada nessa desgraçada aqui, ou pegado com a mão, me desculpa, mas a senhora fazia umas coisas nojentas. Nunca entendi como tinha coragem de pôr a mão na carne vermelha, aquilo estava morto, meu Deus, nem como lavava os banheiros, que horror, as privadas. Como era difícil ser minha mãe, como era gostoso ser tão impossível pra senhora.


Aquela coisa ainda olhava pra mim. Eu de toalha, no banheiro. Eu gosto que pulem no meu peito, mas se você pula eu tenho um enfarto, escrota. Cueca no banheiro nunca mais, pensei, sempre com a razão, minha mãe. Mas já me sentia tão leve que não borrifei perfume, nem corri atrás, nem gritei: ela só deu meia volta e, à contragosto, se foi por uma fresta da janela.

19.9.09

La verdad sobre mi cumpleaños


Hay que decir que la pase bien y listo. No hace falta inventar mucho, sólo se saluda y ya está. A mí nunca me gustaron los cumpleaños. En general, esa fecha suele marcarse por tragedias de toda suerte y desgracias varias.

No es sólo el hecho de volverse viejo, lo que ya me desgarra y me mata por dentro, sino que todas las personas molestas que no tienen nada que ver con nosotros, que no han participado ni llamado (y gracias a Dios) de nuestra vida y, muy cinicamente, dispara a los tuyos y a los míos:

-Desapareciste.

¿Cómo así, desapareciste? Bueno, hay que tener en cuenta que no nos hablábamos desde el primer grado, cuando me llamabas ¡Difunto!, hijo de puta, no te haces una idea de lo traumatizado que quedé! Que mierda es escuchar tu voz otra vez, ¡que Lúcifer te destruya en los infiernos! Pero le digo:

-Ajá...

-Feliz cumpleaños.

-Ya...gracias.

-Te envié un mensajito en el orkut. No me lo contestaste.

Bueno y tengo que explicarte ¿porqué no me gustas? No le envío ni a mí mamá, no te lo enviaría a ti, bruto. Además, ¿cómo encontraste mi orkut? ¡Dios!

-Chau.

Y ustedes dos se quedan para el próximo año, es algo tácito, seguro que él te va a llamar, te va a hablar todo lo que no te gustaría oír, va a enviarte correos con contenidos juzgables y dudosos cuyas entrelíneas te van a recordar las vergüenzas que te hizo sufrir en la infancia. Porque Gordo, Chamito y Mocoso, todo bien. Pero Difunto es demasiado. Tampoco tenía tantas ojeras. A propósito, ¿cuándo la gripe porcina va a alcanzar a mi ciudad y va a matar a todas las personas que no me gustan? Decidí llamar a un amigo.

-Cleiton, ¡voy a ser muerto el resto de la vida! ¡Qué tristeza!

-No es cierto. Hoy te quedas más cercano de tu futuro estado de putrefacción.

-¿Ya tuviste apodo?

-Mi nombre no se lo permite. Siempre fui medio neutro...pero la verdad es que sempre quise tener uno...

-Mocoso ya es abogado. Chamito se volvió profesor, nadie los conoce por el nombre, mientras que Gordo va a ser gordo el resto de la vida y fíjate que ya es flaco.

La mejor cosa a hacerse es neutralizar la situación, admnistrando recaditos y llamadas incontestables en esta fecha infernal. Ya me quemé el ojo, me caí en un pozo, me rompí el diente, me quedé dormido en las vias del tren, todo, por casualidad, en esta fecha apocalíptica. Hasta Hitler coordinó la invasión a Polonia, hace exactamente setenta años. Lo bueno está en poder reescribir todo eso, y hoy, muy lejos de casa y de cualquier intento maldito de familiares desagradables, me gustaría cambiar los efectos colaterales de tantos años de tragedias variadas. Porque hoy el Carajito Cojo no me llama, ah, no me llama. Y entiendan la razón del teléfono apagado, gracias.